Brasília, 3 a 6 de novembro de 2015 - Nº 806.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Correção monetária, demonstrações, financeiras, imposto de renda e Lei 8.200/1991 - 3
Juntada do incidente de inconstitucionalidade - 4
PSV: medida provisória e reedição
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 12
Repercussão Geral
IPTU e progressividade
Defensoria Pública e ação civil pública
Inviolabilidade de domicílio e flagrante delito
Indulto e medida de segurança
1ª Turma
ECT e prescrição - 2
2ª Turma
“Habeas corpus” de ofício e recebimento de denúncia
Produção antecipada de prova e necessidade de fundamentação
ICMS: venda financiada e hipótese de incidência - 2
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Presunção Constitucional de Inocência - Dever do MP de Provar a Acusação (AP-869/AL)
Inovações Legislativas
PLENÁRIO
Correção monetária, demonstrações, financeiras, imposto de renda e Lei 8.200/1991 - 3
É constitucional o inc. I do art. 3º da Lei 8.200/1991, que dispõe sobre a correção monetária das demonstrações financeiras para efeitos fiscais e societários. Com base nessa orientação, o Tribunal, em preliminar e, por maioria, conheceu do recurso e, no mérito, deu-lhe provimento. Na espécie, tribunal regional federal entendera que a devolução parcelada da diferença verificada no ano de 1990 entre a variação do IPC e do BTNF, estabelecida pela mencionada norma, teria configurado empréstimo compulsório sem observância dos requisitos constitucionais — v. Informativos 369 e 434. O Tribunal adotou a jurisprudência por ele firmada no julgamento do RE 201.465/MG (DJU de 17.10.2003) no sentido de que referido dispositivo, posteriormente modificado pelo art. 11 da Lei 8.682/1993, não representaria ilegítima e disfarçada espécie de empréstimo, mas sim favor fiscal criado pelo legislador. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski (Presidente), Ayres Britto e Rosa Weber, que a ele negavam provimento. Apontavam que a devolução parcelada da diferença verificada no ano de 1990 entre a variação do IPC e do BTNF configuraria empréstimo compulsório porque ausentes requisitos constitucionais.
RE 201512/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia.5.11.2015. (RE-201512)
Juntada do incidente de inconstitucionalidade - 4
Em conclusão de julgamento e, por maioria, o Plenário deu provimento a agravo regimental em recurso extraordinário no sentido de dispensar a exigência de juntada do aresto que servira de base ao acórdão recorrido nas hipóteses em que já houver o pronunciamento do STF sobre a questão. Assim como ocorreu no caso concreto, a Corte entendeu que, se o parágrafo único do art. 481 do CPC (“Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno. Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão) permite que, nesses casos, o órgão fracionário não submeta ao plenário do STF o incidente de inconstitucionalidade, exigir-se a juntada do inteiro teor do acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” no incidente de inconstitucionalidade para o conhecimento do recurso extraordinário resultaria em desmedida valoração do julgamento do órgão especial do Tribunal de origem sobre a decisão do STF. Na espécie, trata-se de agravo regimental interposto contra decisão de relator que, ante a ausência da juntada da arguição de inconstitucionalidade aos autos, negara seguimento a recurso extraordinário. Tal recurso fora manejado contra acórdão de tribunal regional federal que, fundado em precedente do Plenário daquela Corte, não integrado aos autos, reconhecera a inconstitucionalidade do art. 3º, I, da Lei 8.200/1991, declarado constitucional pelo STF nos autos do RE 201.465/MG (DJU de 17.10.2003) — v. Informativos 310, 346 e 583. A Corte destacou que, embora o órgão recorrido não tenha transcrito integralmente o acórdão do tribunal regional que apreciara o incidente de inconstitucionalidade, sua ementa fora reproduzida. Apontou que estariam sumariadas as razões da decisão, suficientes para afastar qualquer dúvida a respeito do tema. Ademais, o acórdão recorrido conteria vasta e minuciosa fundamentação própria a respeito da matéria constitucional, condição suficiente para atestar a higidez do que nele contido e viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence (relator), Cármen Lúcia, Eros Grau e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso. Afastavam a incidência, na espécie, do parágrafo único do art. 481 do CPC.
RE 196752 AgR/MG, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 5.11.2015. (RE-196752)
PSV: medida provisória e reedição
O Plenário iniciou julgamento de proposta de edição de enunciado de súmula vinculante, resultante da conversão do Enunciado 651 da Sumula do STF, com o seguinte teor: “A medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional podia, até a EC 32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição”. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), ao acolher a proposta, ressaltou questão relativa à existência de feitos ainda a discutir o tema. Assim, sendo útil e necessária a edição do enunciado. Já os Ministros Marco Aurélio e Teori Zavascki votaram pela rejeição da proposta, em razão do não atendimento, no caso, dos requisitos previstos na Constituição Federal (CF, art. 103-A, § 1º: “A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”). Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli.
PSV 93/DF, 5.11.2015. (PSV-93)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 12
O Plenário retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade contra a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (“Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação: Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias”) — v. Informativo 650. Em voto-vista, o Ministro Edson Fachin afastou a preliminar de não conhecimento, por entender tratar-se a norma questionada de disciplina autônoma e específica, na linha do disposto no art. 21, XVI, da CF (“Art. 21. Compete à União: (...) XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”). No mérito, julgou procedente o pedido formulado na ação direta e a ela deu interpretação conforme, sem redução de texto, à expressão “em horário diverso do autorizado”, contida no art. 254 da Lei 8.069/1990. Reconheceu a nulidade de qualquer sentido ou interpretação que condicione a veiculação de espetáculos públicos, por radiodifusão, ao juízo censório da Administração. Admitiu, apenas, como juízo indicativo, a classificação de programas para sua exibição nos horários recomendados ao público infantil. Reputou que o direito à ampla liberdade de expressão e o dever de proteção moral das crianças não são incompatíveis. Além disso, os parâmetros para que se harmonizem estão fixados na Constituição. A UNESCO, ao reconhecer a importância de se definir parâmetros para o controle de acesso às programações de televisão, recomendou aos países da ONU que adotassem um horário que servisse como divisor de águas, a partir do qual conteúdo adulto pudesse ser divulgado. Significa dizer que há um horário adequado ao controle de acesso, mas sem proibir a veiculação, o que afetaria desproporcionalmente a liberdade de expressão. O vocábulo “autorizado” contido na norma questionada jamais permitiria à Administração, discricionariamente, impedir a exibição de qualquer programa, ainda que sem a classificação indicativa ou mesmo em desacordo com ela. A solução, nessas hipóteses, é sempre o regime ulterior de responsabilização, para que não se tolere ilegal restrição à liberdade de expressão. Não se pode permitir, ainda, que, sob a legítima necessidade de proteção de crianças e adolescentes, seja restabelecida qualquer forma de censura prévia. Isso implica afastar, na polissemia que o emprego atécnico do vocábulo “autorizado” permite, o sentido que a ela se reporta. Assim, mostra-se cabível a sanção prevista pelo art. 254 do ECA quando houver a exibição de programa sem classificação indicativa, em desacordo com ela, ou fora do horário indicado para a exibição. Esclareceu que a tipificação legal das sanções aplicáveis às emissoras de radiodifusão é exigência do Pacto de São José da Costa Rica, conforme reconhecera a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 5.11.2015. (ADI-2404)
REPERCUSSÃO GERAL
Declarada inconstitucional a progressividade de alíquota tributária, é devido o tributo calculado pela alíquota mínima correspondente, de acordo com a destinação do imóvel. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, proveu recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de cobrança do IPTU pela menor alíquota, entre 1995 e 1999, nos casos de declaração de inconstitucionalidade de sua progressividade, antes do advento da Emenda Constitucional 29/2000. O Colegiado destacou o Enunciado 668 da Súmula do STF (“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”). Afirmou que a criação do imposto progressivo sobre a renda seria grande inovação em termos de tributo, tendo em vista seu papel central na redução da desigualdade. Segundo a jurisprudência da Corte, a progressividade deveria incidir sobre todas as espécies tributárias, à luz da capacidade contributiva do contribuinte. Nesse sentido, já se admitiria a progressividade de alíquota relativa ao ITCMD, imposto de caráter real e de competência tributária estadual, pois estaria em jogo a concretização constitucional da igualdade material tributária. No caso, cumpriria decidir somente se a inconstitucionalidade da progressividade de alíquotas inviabilizaria a cobrança do IPTU, durante o lapso temporal anterior à reforma constitucional em discussão. De acordo com a teoria da divisibilidade da lei, somente se deveria proferir a inconstitucionalidade das normas viciadas, não devendo estender o juízo de censura às outras partes da lei. Nesse sentido, a lei municipal só seria inconstitucional no tocante à progressividade das alíquotas, de modo que a solução mais adequada seria manter a exigibilidade do tributo com redução da gravosidade ao patrimônio do contribuinte ao nível mínimo, ou seja, adotando-se a alíquota mínima como mandamento da norma tributária. Ressaltou que o reconhecimento da inconstitucionalidade da progressividade do IPTU não afastaria a cobrança total do tributo. Esta deveria ser realizada pela forma menos gravosa prevista em lei. Portanto, mesmo que a progressividade das alíquotas tenha sido declarada inconstitucional por tribunal de justiça, a única solução possível a compatibilizar a competência tributária dos Municípios e a exação menos gravosa possível ao contribuinte seria assentar a exigibilidade de IPTU na alíquota mínima prevista legalmente, alusiva a período anterior à EC 29/2000. Tal desfecho não incorreria em inconstitucionalidade, pois o IPTU seria cobrado de forma proporcional. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia do recurso por reputar ausente o prequestionamento. No mérito, desprovia o extraordinário.
RE 602347/MG, rel. Min. Edson Fachin, 4.11.2015. (RE-602347)
Defensoria Pública e ação civil pública
A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em ordem a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, as pessoas necessitadas. Essa a conclusão do Plenário, que negou provimento a recurso extraordinário no qual discutida a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses difusos e coletivos. O Colegiado lembrou o RE 605.533/MG, com repercussão geral reconhecida, em que se debate a legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar ação civil pública com o objetivo de compelir entes federados a entregar medicamentos a pessoas necessitadas. Embora o mérito do recurso ainda estivesse pendente de julgamento, o STF não teria modificado entendimento segundo o qual o Ministério Público teria legitimidade para propositura de ações transindividuais na defesa de interesses sociais e de vulneráveis. Nesse sentido, também cabe lembrar dos demais legitimados para propor as ações civis públicas, os quais poderiam, na defesa dos interesses difusos, buscar a tutela dos direitos desse grupo de cidadãos. Concluiu que a imposição constitucional seria peremptória e teria por objetivo resguardar o cumprimento dos princípios da própria Constituição. Não haveria qualquer inconstitucionalidade no art. 5º, II, da Lei da Ação Civil Pública, com as alterações trazidas pela Lei 11.448/2007, ou no art. 4º, VII e VIII, da Lei Orgânica da Defensoria Pública, alterado pela LC 132/2009. Dever-se-ia dar, entretanto, interpretação conforme à Constituição a esses dispositivos, visto que comprovados os requisitos exigidos para a caracterização da legitimidade ativa da Defensoria Pública. O Ministro Teori Zavascki acrescentou que essa legitimidade se estabeleceria mesmo nas hipóteses em que houvesse possíveis beneficiados não necessitados. Sucede que os direitos difusos e coletivos seriam transindividuais e indivisíveis. Assim, a satisfação do direito, mediante execução da sentença, conforme o caso, não poderia ser dividida ou individualizada. No que se refere a direitos individuais homogêneos, todavia, a sentença seria genérica, e as execuções individuais só poderiam ser feitas pelos necessitados conforme a lei. Portanto, eventual execução em benefício pessoal, no que coubesse, só poderia ser feita pelos necessitados. Vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia do recurso. Ademais, entendia que não se deveria limitar a atuação da Defensoria Pública quanto à ação civil pública.
RE 733433/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 4.11.2015. (RE-733433)
Inviolabilidade de domicílio e flagrante delito
A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. Essa a orientação do Plenário, que reconheceu a repercussão geral do tema e, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia, à luz do art. 5º, XI, LV e LVI, da Constituição, a legalidade das provas obtidas mediante invasão de domicílio por autoridades policiais sem o devido mandado de busca e apreensão. O acórdão impugnado assentara o caráter permanente do delito de tráfico de drogas e mantivera condenação criminal fundada em busca domiciliar sem a apresentação de mandado de busca e apreensão. A Corte asseverou que o texto constitucional trata da inviolabilidade domiciliar e de suas exceções no art. 5º, XI (“a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”). Seriam estabelecidas, portanto, quatro exceções à inviolabilidade: a) flagrante delito; b) desastre; c) prestação de socorro; e d) determinação judicial. A interpretação adotada pelo STF seria no sentido de que, se dentro da casa estivesse ocorrendo um crime permanente, seria viável o ingresso forçado pelas forças policiais, independentemente de determinação judicial. Isso se daria porque, por definição, nos crimes permanentes, haveria um interregno entre a consumação e o exaurimento. Nesse interregno, o crime estaria em curso. Assim, se dentro do local protegido o crime permanente estivesse ocorrendo, o perpetrador estaria cometendo o delito. Caracterizada a situação de flagrante, seria viável o ingresso forçado no domicílio. Desse modo, por exemplo, no crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33), estando a droga depositada em uma determinada casa, o morador estaria em situação de flagrante delito, sendo passível de prisão em flagrante. Um policial, em razão disso, poderia ingressar na residência, sem autorização judicial, e realizar a prisão. Entretanto, seria necessário estabelecer uma interpretação que afirmasse a garantia da inviolabilidade da casa e, por outro lado, protegesse os agentes da segurança pública, oferecendo orientação mais segura sobre suas formas de atuação. Nessa medida, a entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa conforme o direito, seria arbitrária. Por outro lado, não seria a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificaria a medida. Ante o que consignado, seria necessário fortalecer o controle “a posteriori”, exigindo dos policiais a demonstração de que a medida fora adotada mediante justa causa, ou seja, que haveria elementos para caracterizar a suspeita de que uma situação a autorizar o ingresso forçado em domicílio estaria presente. O modelo probatório, portanto, deveria ser o mesmo da busca e apreensão domiciliar — apresentação de “fundadas razões”, na forma do art. 240, §1º, do CPP —, tratando-se de exigência modesta, compatível com a fase de obtenção de provas. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o recurso por entender que não estaria configurado, na espécie, o crime permanente.
RE 603616/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 4 e 5.11.2015. (RE-603616)
Reveste-se de legitimidade jurídica a concessão, pelo presidente da República, do benefício constitucional do indulto (CF, art. 84, XII), que traduz expressão do poder de graça do Estado, mesmo se se tratar de indulgência destinada a favorecer pessoa que, em razão de sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade, sofre medida de segurança, ainda que de caráter pessoal e detentivo. Essa a conclusão do Plenário, que negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de extensão de indulto a internados em cumprimento de medida de segurança. O Colegiado assinalou que a competência privativa do presidente da República prevista no art. 84, XII, da CF abrange a medida de segurança, espécie de sanção penal, inexistindo restrição à concessão de indulto. Embora não seja pena em sentido estrito, é medida de natureza penal e ajusta-se ao preceito, cuja interpretação deveria ser ontológica. Lembrou o HC 84.219/SP (DJU de 23.9.2005), em que o período máximo da medida de segurança fora limitado a 30 anos, mediante interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75 e 97 do CP e 183 da LEP. Fora reconhecida, na ocasião, a feição penal da medida de segurança, a implicar restrição coercitiva da liberdade. Em reforço a esse entendimento, sublinhou o art. 171 da LEP, a condicionar a execução da sentença ao trânsito em julgado; bem assim o art. 397, II, do CPP, a proibir a absolvição sumária imprópria, em observância ao princípio da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII). No caso, o Presidente da República, ao implementar indulto no tocante a internados em cumprimento de medida de segurança, nos moldes do art. 1º, VIII, do Decreto natalino 6.706/1998, não extrapolara o permissivo constitucional. Precedentes citados: RE 612.862 AgR/RS (DJe de 18.2.2011) e HC 97.621/RS (DJe de 26.6.2009).
RE 628658/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 4 e 5.11.2015. (RE-628658)
PRIMEIRA TURMA
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, proveu agravo regimental para determinar que o recurso extraordinário tenha sequência. Na espécie, debate-se a possibilidade, à luz do art. 173, § 1º, II, da CF, de equiparação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) com a Fazenda Pública — v. Informativo 797. A Turma destacou que a matéria deveria ser examinada em razão de várias prerrogativas de direito público já terem sido reconhecidas aos Correios. Vencidos a Ministra Rosa Weber (relatora) e o Ministro Roberto Barroso que mantinham a decisão agravada no sentido de que o conceito de fazenda pública se estenderia à ECT. Agravo regimental em agravo regimental em recurso extraordinário provido para assegurar o trânsito em julgado do recurso extraordinário em que se questiona a aplicação da prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/1932 à referida empresa pública prestadora de serviço público.
RE 790059 AgR-AgR/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 3.11.2015. (RE-790059)
SEGUNDA TURMA
“Habeas corpus” de ofício e recebimento de denúncia
A Segunda Turma iniciou julgamento de questão de ordem suscitada em ação penal na qual apurada a prática dos crimes de fraude à licitação (Lei 8.666/1993, art. 90) e peculato (CP, art. 312). Na espécie, após o recebimento de denúncia por juízo de primeiro grau, a diplomação do acusado como deputado federal ensejara a remessa dos respectivos autos ao STF para prosseguimento do feito. O Ministro Dias Toffoli (relator), ao suscitar a questão de ordem, propôs que esta fosse resolvida no sentido da concessão de ordem de “habeas corpus”, de ofício, em favor do acusado, para que se rejeitasse a denúncia, por falta de justa causa (CPP, art. 395, III). Afirmou que, nos termos do art. 230-A do Regimento Interno do STF, em havendo deslocamento de competência para o STF, a ação penal deveria prosseguir no estado em que se encontrasse, preservada a validade dos atos já praticados na instância anterior, em homenagem ao princípio “tempus regit actum”. Contudo, o STF não poderia permitir que uma ação penal inviável prosseguisse, pelo só fato de recebê-la no estado em que se encontrasse, sob pena de manifesto constrangimento ilegal ao réu. Não bastasse isso, o prosseguimento do feito acarretaria a desnecessária prática de inúmeros atos de instrução, como a inquirição de testemunhas e a produção de perícias. Ademais, a justa causa para a ação penal consistiria na exigência de suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduziria na existência, no inquérito policial ou nas peças de informação a instruir a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrassem a materialidade do crime e a existência de indícios razoáveis de autoria. No caso, o acusado, à época da concorrência supostamente fraudada, da assinatura do contrato e de seus aditivos, da sua execução, das medições de obra e dos pagamentos à empresa contratada — questões atinentes ao objeto da ação penal em comento —, não mais seria o chefe do Poder Executivo local, por haver renunciado ao seu mandato. Portanto, além de não subsistir relação de subordinação hierárquica com os responsáveis pela licitação, o acusado não mais deteria qualquer poder de mando sobre o curso do procedimento licitatório e a execução do contrato ora hostilizado. O simples fato de ser governador, à época em que determinada secretaria de Estado firmara o convênio objeto de apuração, não atrairia a sua responsabilidade penal pela fraude à licitação subsequente e pelo eventual desvio de verbas na execução do contrato, reiterado o que decidido na AP 477/RS (DJe de 29.5.2009). Assim, à míngua de elementos probatórios concretos, constituiria mera criação mental da acusação a pretensa relação de causalidade entre as doações eleitorais feitas ao réu e o seu suposto concurso para a fraude à licitação e ao desvio de recursos públicos. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki.
AP 913 QO/AL, rel. Min. Dias Toffoli, 3.11.2015. (AP-913)
Produção antecipada de prova e necessidade de fundamentação
É incabível a produção antecipada de prova testemunhal (CPP, art. 366) fundamentada na simples possibilidade de esquecimento dos fatos, sendo necessária a demonstração do risco de perecimento da prova a ser produzida (CPP, art. 225). Essa a orientação da Segunda Turma ao conceder ordem de “habeas corpus” para reconhecer a nulidade de prova testemunhal produzida antecipadamente. Tal prova apresentava como justificativa que “as testemunhas são basicamente policiais responsáveis pela prisão, cuja própria atividade contribui, por si só, para o esquecimento das circunstâncias que cercam a apuração da suposta autoria de cada infração penal”. Em consequência, determinou-se o desentranhamento dos respectivos termos de depoimento dos autos.
HC 130038/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 3.11.2015. (HC-130038)
ICMS: venda financiada e hipótese de incidência - 2
A Segunda Turma retomou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a incidência ou não de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS sobre os acréscimos financeiros decorrentes de operações de compra de bens com cartões de crédito emitidos pela própria fornecedora das mercadorias, sem a intermediação de instituição financeira, em período anterior a Constituição de 1988 — v. Informativo 787. A Ministra Cármen Lúcia, em voto vista, divergiu do relator para não conhecer do recurso e, se ultrapassado a preliminar, negar provimento ao extraordinário. Frisou não haver prequestionamento dos dispositivos constitucionais tidos por violados. Além disso, o STJ teria decidido a questão com base em normas infraconstitucionais (CTN e Decreto-Lei 406/1968), fundamento suficiente para manutenção do acórdão recorrido. Isso impediria a análise do recurso de acordo com o Enunciado 283 da Súmula do STF. No mérito, quanto ao alcance da incidência do ICMS sobre operações de compra e venda realizadas com cartão de crédito emitido pela própria empresa vendedora, o STJ assentara que na venda efetuada por meio de cartão de crédito, ocorreriam duas operações: a primeira de compra e venda e a segunda de financiamento. No que se refere à diferenciação entre compra e venda a prazo e aquela efetuada com utilização de cartão de crédito, se teria definido que, em relação à primeira, dever-se-ia incidir ICMS, uma vez que se traduziria em elevação do valor da saída da mercadoria do estabelecimento comercial. Por outro lado, no caso de venda mediante cartão de crédito, não deveria incidir o imposto sobre os encargos relativos ao financiamento. Sublinhou que esse entendimento estaria em consonância com precedente da Turma que teria afirmado que o ICMS incidiria sobre o preço ajustado para a venda, não sendo cabível sua incidência sobre valores decorrentes da utilização do crédito concedido pela empresa para financiamento da compra. Portanto, o ICMS deveria ser aplicado somente sobre o valor de venda da mercadoria, estampado em nota fiscal, o qual, na espécie, traduzir-se-ia como preço da venda à vista. Estaria dissociado, desse modo, dos custos que porventura pudessem ser cobrados por inadimplência da obrigação firmada quando da abertura do crédito rotativo na empresa vendedora. Em seguida, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes.
RE 514639/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 3.11.2015. (RE-514639)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
4.11.2015 |
5.11.2015 |
10 |
1ª Turma |
3.11.2015 |
— |
106 |
2ª Turma |
3.11.2015 |
— |
96 |
R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe de 3 a 6 de novembro de 2015
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 907.209-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RECLAMATÓRIA TRABALHISTA AJUIZADA POR SINDICATO, NA QUALIDADE DE SUBSTITUTO PROCESSUAL. CONTROVÉRSIA ACERCA DA NATUREZA DOS DIREITOS DEMANDADOS, SE INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS OU HETEROGÊNEOS. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A controvérsia relativa à natureza, se individual homogênea ou heterogênea, dos direitos postulados por Sindicato em reclamação trabalhista, na qualidade de substituto processual, é de natureza infraconstitucional.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 911.161-SC
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DA LEI 9.099/95. PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA. TERMO INICIAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A controvérsia relativa ao termo inicial da contagem do prazo para apresentação de defesa no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, fundada na interpretação da Lei 9.099/95 e do Código de Processo Civil, é de natureza infraconstitucional.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ademais, esta Corte, ao apreciar o Tema 800 da sistemática da repercussão geral (ARE 835.833-RG, de minha relatoria, DJe de 26/3/2015), atribuiu os efeitos da ausência de repercussão geral aos recursos extraordinários interpostos nos Juizados Especiais Cíveis da Lei 9.099/99 que, como o presente, não demonstrem claramente (a) o prequestionamento de matéria constitucional e (b) a repercussão geral da controvérsia.
4. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.
Decisões Publicadas: 2
3 a 6 de novembro de 2015
AG. REG. NO ARE N. 807.255-RJ
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
1. A jurisprudência do STF se consolidou no sentido de que suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e dos limites da coisa julgada, quando a violação é debatida sob a ótica infraconstitucional, não apresenta repercussão geral. Precedente: RE-RG 748.371, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe 1º.8.2013.
2. A transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro público, momento em que incide o Imposto Sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI), de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Logo, a promessa de compra e venda não representa fato gerador idôneo para propiciar o surgimento de obrigação tributária.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
AG. REG. NO ARE N. 910.280-DF
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO DO TRABALHO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO ANTERIOR À CF/1988. INEXISTÊNCIA DE TRANSPOSIÇÃO AO REGIME JURÍDICO ÚNICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. SÚMULA 284/STF. PRECEDENTES.
1. A controvérsia dos autos não é fundada em vínculo estatutário ou em contrato de trabalho temporário submetido a lei especial. Trata-se de contrato que fora celebrado antes do advento da Constituição Federal de 1988, em época na qual se admitia a vinculação à Administração Pública de servidores sob o regime da CLT. A competência, portanto, é da Justiça do Trabalho. Precedentes.
2. O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE 906.491-RG, sob a relatoria do Ministro Teori Zavascki, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional em análise e reafirmou a jurisprudência da Corte sobre a questão.
3. As razões do recurso extraordinário quanto à nulidade do vínculo com a Administração Pública não guardam pertinência com a fundamentação do acórdão recorrido. Nessas circunstâncias, incide a Súmula 284/STF.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
RHC N. 117.806-PE
REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. EDSON FACHIN
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. EXASPERAÇÃO. EXCESSO NÃO VERIFICADO. DISCRICIONARIEDADE REGRADA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. RECURSO DESPROVIDO.
1. É razoável a fundamentação que justifica a exasperação da pena-base tendo em vista a constatação de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado e que extrapolam os elementos típicos inerentes à figura penal cominada.
2. Inexiste excesso no quantum da exasperação quando, presentes diversos vetores negativos, a pena foi fixada abaixo do termo médio. Dosimetria efetuada segundo os critérios de discricionariedade regrada que naturam a individualização da pena.
3.Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.
AG. REG. NO AI N. 671.749-BA
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO DE VENCIMENTOS. URV. LEI Nº 8.880/1994. MP 434/1994. REDUÇÃO DE VENCIMENTOS. SÚMULA 279/STF.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal já assentou a inexistência de repercussão geral da controvérsia relativa à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes – Tema 660).
2. A questão referente a redução ou não dos vencimentos implicaria a reanálise dos fatos e provas constantes nos autos, o que é vedado pela súmula 279/STF.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
AG. REG. EM MS N. 27.052-DF
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE JULGOU ILEGAL O ATO DE CONCESSÃO DE PENSÃO CIVIL. BENEFICIÁRIA. MENOR SOB GUARDA TEMPORÁRIA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União considerou ilegal e negou registro à pensão civil instituída por servidora pública federal falecida e concedida em favor da impetrante, sua neta, nascida em 28/10/1996, ao argumento de que a genitora da impetrante é economicamente ativa, o que descaracterizava a dependência econômica da menor em relação à instituidora do benefício.
2. O recebimento de pensão temporária até completar 21 (vinte um) anos de idade (alínea “b”, do inciso II, do art. 217, da Lei nº 8.112/1990) é assegurado ao menor de idade que esteja sob a guarda do servidor na data do seu óbito. Irrelevante o fato de a guarda ser provisória ou definitiva. (MS 25.823/DF, Redator para o acórdão Min. Ayres Britto, Plenário, DJe 28/08/2009).
3. O art. 205 do Regimento Interno desta Suprema Corte, na redação conferida pela Emenda Regimental nº 28/2009, expressamente autoriza o Relator a julgar monocraticamente o mandado de segurança, quando a matéria em debate for objeto de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.
4. In casu, a decisão do TCU teve por fundamento, apenas, a necessidade de comprovação da dependência econômica da ora impetrante. Dessa forma, anulada a decisão questionada e não existindo outra fundamentação para a negativa do registro, a Corte de Contas deve procedê-lo na forma legal.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
HC N. 127.444-SP
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional.
2. Inviável o exame das teses defensivas não analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
3. O decreto de prisão cautelar há de se apoiar nas circunstâncias fáticas do caso concreto, evidenciando que a soltura, ou a manutenção em liberdade, do agente implicará risco à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal (CPP, art. 312).
4. A motivação sem elementos concretos ou base empírica idônea a amparar o decreto prisional, esbarra na jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal, que não lhe reconhece validade. Precedentes.
5. Ordem de habeas corpus concedida para assegurar o direito de o paciente recorrer em liberdade.
AG. REG. NA Rcl N. 21.419-PA
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. DESMEMBRAMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR DETERMINAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO PENAL EM TRAMITAÇÃO PERANTE MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. DEPOIMENTO TESTEMUNHAL PRESTADO POR COLABORADOR. MENÇÃO A AUTORIDADE DETENTORA DE FORO PRIVILEGIADO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PERSECUÇÃO CRIMINAL DIRETA DO PARLAMENTAR PELO JUÍZO RECLAMADO.
1. A atuação do juízo reclamado deu-se com base em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 19.12.2014, nos autos de Pet 5.245, que, acolhendo manifestação do Procurador-Geral da República, dominus litis, deferiu “os requerimentos de cisão processual, mantendo-se no Supremo Tribunal Federal aqueles termos em que figurem detentores de prerrogativa de foro correspondente (item VII, h), com remessa dos demais aos juízos e tribunais indicados”.
2. Eventual encontro de indícios de envolvimento de autoridade detentora de foro privilegiado durante atos instrutórios subsequentes, por si só, não resulta em violação de competência desta Suprema Corte, ainda mais quando houver prévio desmembramento pelo Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no caso.
3. Não demonstração de persecução, pelo juízo reclamado, da prática de atos violadores da competência do Supremo Tribunal Federal.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
*noticiado no Informativo 802
Ext N. 1.394-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: EXTRADIÇÃO. CLÁUSULA DO ACORDO EXTRADICIONAL FIRMADO ENTRE OS ESTADOS PARTES DO MERCOSUL, A REPÚBLICA DA BOLÍVIA E A REPÚBLICA DO CHILE QUE IMPEDE A ENTREGA DO SÚDITO ESTRANGEIRO PARA EXECUÇÃO DE SENTENÇA QUANDO A PENA AINDA POR CUMPRIR FOR INFERIOR A SEIS MESES. INDEFERIMENTO.
1. O acordo de extradição firmado entre os Estados Partes do Mercosul (República Argentina, República Federativa do Brasil, República do Paraguai e República do Uruguai), a República da Bolívia e a República do Chile promulgado pelo Decreto 5.867/2006, contempla cláusula (artigo 2, item 2) que impede a entrega do súdito estrangeiro para execução de sentença quando a pena ainda por cumprir no Estado requerente seja inferior a seis meses.
2. Na verificação de pena remanescente a ser executada pelo Estado requerente é imprescindível que seja computado o lapso temporal em que o estrangeiro permaneceu preso no aguardo do julgamento do pedido extradicional (art. 91, II, Lei 6.815/1990). Precedentes.
3. A hipótese dos autos revela que a pena remanescente resulta inferior a seis meses.
4. Extradição indeferida.
AG. REG. NA Rcl N. 5.476-PE
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO NA ADC Nº 4. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA.
Ao julgamento da medida cautelar na ADC 4, este Supremo Tribunal Federal assentou a legitimidade das restrições impostas pela Lei nº 9.494/97 relativas ao não cabimento de antecipação de tutela contra o Poder Público nas hipóteses que importem em a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento , total ou parcial, do objeto da ação, desde que tal ação diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas.
Não se tratando de insurgência contra a concessão de medida liminar contra a Fazenda Pública nas hipóteses descritas, impõe-se reconhecer a ausência de estrita aderência entre o ato reclamado e o paradigma invocado.
Agravo regimental conhecido e não provido.
Acórdãos Publicados: 230
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Presunção Constitucional de Inocência - Dever do MP de Provar a Acusação (Transcrições)
(v. Informativo 806)
AP 869/AL*
RELATOR: Ministro Teori Zavascki
REVISOR: Ministro Celso de Mello
VOTO (SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO): A presente ação penal foi ajuizada contra o Deputado Federal ** pela suposta prática do delito tipificado no art. 129, § 9º, do Código Penal, alegadamente cometido quando o réu – que hoje é membro do Congresso Nacional – exercia o mandato de Deputado estadual em Alagoas.
A imputação criminal deduzida pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República afirma que o réu, no dia 05/11/2006, “agrediu fisicamente a sua ex-companheira ** na residência da vítima” (fls. 48 – grifei).
Segundo a denúncia, “as agressões perpetradas pelo denunciado ocasionaram lesões corporais leves na vítima, conforme o laudo de exame de corpo de delito juntado às fls. 20 do apenso 2” (fls. 49 – grifei).
Registro, ainda, por necessário, que o Ministério Público Federal, em peça processual protocolada em separado (fls. 52/53), propõe seja declarada extinta a punibilidade do Deputado Federal ** em relação ao delito de ameaça (CP, art. 147), objeto de apuração nos autos do Inquérito nº ** (Apenso, vol. 1), por entender consumada, na espécie, a prescrição penal.
Em sua resposta preliminar, o então denunciado alegou, em síntese, (a) “a ausência de justa causa para o prosseguimento do feito, já que toda a prova foi colhida por autoridade incompetente”; (b) “a negativa de autoria”, eis que, “ao contrário do que afirmado na denúncia, não é verdade que o acusado tenha agredido fisicamente sua ex-companheira **”, sustentando, ainda, que, no caso, “a instauração de um processo penal e eventual sentença condenatória trariam à ‘vida real’ mais prejuízo do que benefício, contrariando a dicção do art. 59, CP, e os fins políticos de aplicação de uma pena” (grifei).
A denúncia foi recebida por esta Suprema Corte, em 05/12/2013, em julgamento que está assim ementado (fls. 327):
“PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA (CPP, ART. 395, III), EM FACE DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE.
DENÚNCIA RECEBIDA.”
(Inq 3.156/AL, Red. p/ o acórdão Min. TEORI ZAVASCKI – grifei)
O Ministério Público Federal, em suas alegações finais, pleiteou a absolvição penal do réu, fazendo-o em manifestação assim ementada (fls. 658):
“AÇÃO PENAL. SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS NO ÂMBITO DE RELAÇÕES DOMÉSTICAS ATRIBUÍDA A CONGRESSISTA. ALEGAÇÕES FINAIS.
1. Negativa da existência dos fatos em audiência pela vítima, declarando que deu início à persecução criminal como forma de ‘vingança’.
2. Testemunhas negaram em juízo a existência do fato delituoso, com mudança do panorama fático apresentado à autoridade policial. Laudo pericial que não corresponde à forma como a suposta agressão teria ocorrido.
3. Requerimento de absolvição do réu. Art. 386, VII, do CPP. Promoção de responsabilidade da comunicante pelo crime de denunciação caluniosa.” (grifei)
O réu, por sua vez, postula a absolvição da imputação penal contra ele deduzida por ausência de qualquer prova evidenciadora da autoria do delito de lesões corporais (violência doméstica).
Impõe-se examinar, inicialmente, questão prévia, suscitada pelo Ministério Público Federal (fls. 52/53), consistente na ocorrência de causa extintiva da punibilidade em relação, exclusivamente, ao delito de ameaça (CP, art. 147).
Assiste razão ao eminente Chefe do Ministério Público da União, eis que o exame dos marcos temporais relevantes para o cálculo prescricional evidencia que se consumou, na espécie, a prescrição da pretensão punitiva do Estado referentemente ao delito tipificado no art. 147 do Código Penal (fls. 52/53):
“1. Em relação ao delito de ameaça, objeto do Inquérito nº ** (apenso 1), verifica-se que houve o transcurso do lapso prescricional. A pena máxima atribuída ao referido crime é de 6 (seis) meses de prisão. Como o delito foi praticado antes do advento da Lei nº 12.234/2010, aplica-se o prazo prescricional de 2 (dois) anos previsto na redação original do art. 109, inciso VI, do Código Penal, por ser mais benéfico ao investigado. A suposta ameaça teria sido praticada em 16.7.2007, sendo o prazo prescricional alcançado em 15.7.2009.
2. Ante o exposto, requer o Procurador-Geral da República seja declarada a extinção da punibilidade em relação ao delito de ameaça.” (grifei)
Acolho, por tal motivo, essa douta promoção do Senhor Procurador-Geral da República (fls. 52/53) e declaro extinta, em consequência, quanto ao crime de ameaça (CP, art. 147), a punibilidade do Deputado Federal **, fazendo-o com apoio no art. 107, IV, c/c o art. 109, VI, do CP.
Superada essa questão, passo, desde logo, ao exame da causa. E, ao fazê-lo, entendo que a insuficiência da prova penal existente nos autos não pode legitimar a formulação, no caso, de um juízo de certeza que autorize a condenação do réu.
Tenho para mim que os elementos produzidos neste processo evidenciam, de maneira bastante clara, a ausência de dados que permitam identificar, com segurança, a autoria do crime de lesões corporais por parte do réu, sendo certo, ainda, o caráter precário da prova testemunhal, que, embora arrolada pelo próprio Ministério Público, contradiz a versão dos fatos narrados na denúncia.
Também o Ministério Público Federal, como precedentemente assinalado, ao manifestar-se pela absolvição do réu, destacou, nas alegações finais, a iliquidez do conjunto probatório quanto à autoria do fato, valendo destacar o seguinte fragmento de seu pronunciamento (fls. 661/666):
“Por ocasião da audiência de instrução, ** declarou, essencialmente, o seguinte:
‘Juiz – […] A senhora está me dizendo, aqui, que não houve contato físico nenhum entre vocês?
Depoente – Não, não houve.
[…]
Juiz – Muito bem. Então, para finalizar, consta que a senhora foi examinada e foram verificados sinais, salvo engano, no seu braço, ao que recordo agora. Ao que a senhora atribui, então, esses sinais de agressão?
Depoente – Não sei. Eu acho que hematoma... eu não sei, porque eu tenho mais duas crianças – uma do meu primeiro casamento, e ele e eu brincava muito com os meninos, eu fico muito no chão com eles até hoje. Briga de menino, brincadeira de menino geralmente são pesadas. Eu acho que foi alguma coisa dos meninos que eu devo ter esbarrado também, batido em berço. Eu sou muito destrambelhada, assim, para essas coisas, até que eu tô com um roxo aqui no joelho.
Juiz – […] a senhora reitera, então, que, naquela oportunidade – essa oportunidade claramente identificada na denúncia –, a senhora, em nenhum momento, sofreu agressão física de **?
Depoente – Isso. Reitero.
[…]
Ministério Público – Então, no caso, na Polícia Civil, a senhora teria inventado que ele lhe agrediu?
Depoente – Isso.
Ministério Público – Como vingança?
Depoente – Isso.’
**, mãe da vítima e pessoa que teria presenciado parcialmente os fatos, declarou:
‘[…]
Ministério Público – A acusação é de que, em novembro de 2006, ** teria agredido fisicamente a sua filha **. O que a senhora pode dizer sobre essa acusação, sobre esses fatos?
Testemunha – Olha, agressão física eu não sei; não vi.
Ministério Público – Certo.
Testemunha – Pelo menos perante minha presença não aconteceu. Aí não. Houve discussão de baixíssimo grau.
Ministério Público – A senhora diz que não viu, mas o que a senhora viu?
Eu vi foi, quando fui chamada por uma secretária, que eles estavam em um bate-boca de baixo nível, a ponto de se pegarem. Só discussões; discussão, como eu digo, de baixo nível. E aquilo estranhou o pessoal que trabalhava na casa, no apartamento, porque não era comum, até porque também ele não estava mais em casa. Ele já tinha saído de casa, não é? E me chamaram com medo de que acontecesse alguma coisa, alguma agressão, alguma coisa, mas quando eu cheguei lá meu filho puxou ele para a cozinha, eu segurei ele e a gente assim... mas agressão, não. De jeito nenhum.
[…]
Ministério Público – Mas quando a senhora chegou lá na casa, ** estava como?
Testemunha – ** estava batendo boca com o **.
Ministério Público – Ah, ainda estava discutindo com ele em pé, na sala?
Testemunha – Estava, estava sim, estava em pé, estava batendo boca mesmo, sério.
Ministério Público – Sem agressão física?
Testemunha – Sem agressão, mas estava naquela, naquele ringue, sabe? […].
Ministério Público – Mas tinha algum machucado no corpo dela? Alguma coisa?
Testemunha – Não, não, tinha não. De jeito nenhum.
Ministério Público – Ele já tinha tentado agredi-la fisicamente antes?
Testemunha – Não, nunca.
Ministério Público – Nunca?
Testemunha – Nunca. O **?’
Por sua vez, **, irmão da vítima que teria presenciado parcialmente os fatos, declarou, em síntese, que:
‘[…]
Juiz – Em nenhum momento então o senhor viu o ** encostando a mão na sua (ininteligível)?
Testemunha – Não, de forma alguma. Pelo contrário. Eu até, para evitar isso, puxei ele para a cozinha, para conversar comigo; porque, até então, eu não estava sabendo o que estava havendo e o motivo daquela discussão.
[…]
Ministério Público – Depois disso, sua mãe e sua irmã foram à delegacia de polícia para registrar a ocorrência, o senhor sabe?
Testemunha – Quem foi à delegacia fui eu, com ela. Fui eu que a acompanhei.
[…]
Ministério Público – No mesmo dia?
Testemunha – No mesmo dia, na mesma noite que ela dizendo que tinha sido agredida. E eu perguntei onde estava a agressão, que eu não tinha visto.
Ministério Público – E ela disse?
Testemunha – Ela ficou calada.
[…]
Ministério Público – E tinha algum machucado no corpo dela?
Testemunha – Eu não vi. Aparentemente, aqui no rosto, o que ela estava apresentando – né? –, eu não vi.
[…]
Juiz – Muito bem. Minha pergunta é a seguinte: […] uma mulher que apanha, estaria talvez segurando um braço, ou gemendo de dor, ou reclamando de um tapa. Nenhum desses sinais a senhora sua irmã apresentava?
Testemunha – Não, só vi ele chorando muito, mas sinais de agressão eu não vi, Excelência.’
…...................................................................................................
O conjunto probatório é, contudo, ilíquido quanto à autoria. ** e **, ouvidas pela autoridade policial e pela autoridade judiciária, modificaram completamente seus relatos de uma para a outra instância, passando a negar o que antes afirmaram.
…...................................................................................................
Impende, portanto, como forma de resguardar a respeitabilidade do sistema de justiça criminal, não só absolver o réu, mas possibilitar à instância ordinária a promoção da responsabilidade de ** pelo crime de denunciação caluniosa.” (grifei)
Como se vê, Senhores Ministros, assume inquestionável relevo, no caso ora em julgamento, a ausência conspícua de dados probatórios evidenciadores da prática delituosa pelo réu.
Com efeito, o estado de dúvida que emerge deste processo penal de conhecimento desautoriza, por completo, qualquer juízo condenatório.
Na realidade, em nosso sistema jurídico, como ninguém o desconhece, a situação de dúvida razoável só pode beneficiar o réu, jamais prejudicá-lo, pois esse é um princípio básico que deve sempre prevalecer nos modelos constitucionais que consagram o Estado democrático de Direito.
O exame dos elementos constantes destes autos evidencia que o Ministério Público deixou de produzir prova penal lícita que corroborasse o conteúdo da imputação penal deduzida contra o réu, não sendo capaz de cumprir, por isso mesmo, a norma inscrita no art. 156, “caput”, do CPP, que atribui ao órgão estatal da acusação penal o encargo de provar, para além de qualquer dúvida razoável, a autoria e a materialidade do fato delituoso.
Como sabemos, nenhuma acusação penal presume-se provada. Esta afirmação, que decorre do consenso doutrinário e jurisprudencial em torno do tema, apenas acentua a inteira sujeição do Ministério Público ao ônus material de provar a imputação penal consubstanciada na denúncia.
Com a superveniência da Constituição de 1988, proclamou-se, explicitamente (art. 5º, LVII), um princípio que sempre existira, de modo imanente, em nosso ordenamento positivo: o princípio da não culpabilidade (ou do estado de inocência) das pessoas sujeitas a procedimentos persecutórios (DALMO DE ABREU DALLARI, “O Renascer do Direito”, p. 94/103, 1976, Bushatsky; WEBER MARTINS BATISTA, “Liberdade Provisória”, p. 34, 1981, Forense).
Esse postulado – cujo domínio de incidência mais expressivo é o da disciplina da prova – impede que se atribuam à denúncia penal consequências jurídicas apenas compatíveis com decretos judiciais de condenação definitiva. Esse princípio tutelar da liberdade individual repudia presunções contrárias ao imputado, que não deverá sofrer punições antecipadas nem ser reduzido, em sua pessoal dimensão jurídica, ao “status poenalis” de condenado. De outro lado, faz recair sobre o órgão da acusação, agora de modo muito mais intenso, o ônus substancial da prova, fixando diretriz a ser indeclinavelmente observada pelo magistrado e pelo legislador.
É preciso relembrar, Senhores Ministros, que não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Antes, cabe ao Ministério Público demonstrar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Hoje já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra hedionda que, em dado momento histórico de nosso processo político, criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de ele, acusado, provar a sua própria inocência!!!
Refiro-me ao art. 20, inciso 5, do Decreto-lei nº 88, de 20/12/1937 – editado sob a égide do nefando Estado Novo de VARGAS –, que veiculava, no que se refere aos delitos submetidos a julgamento pelo tristemente célebre Tribunal de Segurança Nacional, e em ponto que guarda inteira pertinência com estas observações, uma fórmula jurídica de despotismo explícito: “Presume-se provada a acusação, cabendo ao réu prova em contrário (...)” (grifei).
O fato indiscutivelmente relevante no domínio processual penal, Senhores Ministros, é que, no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do regime democrático, não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelem-se capazes de informar e de subsidiar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas, cuja ocorrência só pode conduzir a um decreto de absolvição penal.
Não se pode – considerada a presunção constitucional de inocência dos réus – atribuir relevo e eficácia a juízos meramente conjecturais, para, com fundamento neles, apoiar um inadmissível decreto condenatório.
Não custa enfatizar que, no sistema jurídico brasileiro, não existe qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, em sede penal, a culpa de alguém.
Revela-se importante advertir, Senhores Ministros, na linha do magistério jurisprudencial e em respeito aos princípios estruturantes do regime democrático, que, “Por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal” (RT 165/596, Rel. Des. VICENTE DE AZEVEDO – grifei).
É preciso relembrar que as limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias constitucionais insuprimíveis que a ordem jurídica confere ao suspeito, ao indiciado e ao acusado, com a finalidade de fazer prevalecer o seu estado de liberdade em razão do direito fundamental – que assiste a qualquer um – de ser presumido inocente.
Cumpre ter presente, bem por isso, neste ponto, em face de sua permanente atualidade, a advertência feita por RUI BARBOSA (“Novos Discursos e Conferências”, p. 75, 1933, Saraiva) no sentido de que “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas (...)”.
Nem se alegue, de outro lado, que os depoimentos prestados pela suposta vítima e pelas testemunhas perante a autoridade policial autorizariam, por si só, a formulação de um juízo de certeza quanto à culpabilidade do réu em relação aos fatos que lhe foram imputados.
Não podemos desconhecer, no ponto, que o processo penal, representando uma estrutura formal de cooperação, rege-se pelo princípio da contraposição dialética, que, além de não admitir condenações judiciais baseadas em prova alguma, também não legitima nem tolera decretos condenatórios apoiados em elementos de informação unilateralmente produzidos pelos órgãos da acusação penal. A condenação do réu pela prática de qualquer delito – até mesmo pela prática de uma simples contravenção penal – somente se justificará quando existentes, no processo, e sempre colhidos sob a égide do postulado constitucional do contraditório, elementos de convicção que, projetando-se “beyond all reasonable doubt” (além, portanto, de qualquer dúvida razoável), veiculem dados consistentes que possam legitimar a prolação de um decreto condenatório pelo Poder Judiciário.
Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório (HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Disso decorre que os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas – embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público –, não bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato de condenação penal.
Na realidade, Senhores Ministros, o resultado do inquérito policial traduz, como efeito da atividade unilateral desenvolvida pelo Poder Público, um acervo informativo meramente destinado a habilitar o órgão da acusação penal, que é o Ministério Público, a instaurar a “persecutio criminis in judicio” (FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal – O Direito de Defesa”, p. 43/45, item n. 12, 1986, Forense; VICENTE DE PAULO VICENTE DE AZEVEDO, “Direito Judiciário Penal”, p. 115, 1952, Saraiva; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. I, p. 153, 1961, Forense).
A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária (“informatio delicti”), de um lado, e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial, de outro, não autorizam, sob pena de grave ofensa à garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte venha a ser a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciada nas peças do inquérito respectivo.
Por isso mesmo, a orientação jurisprudencial dos Tribunais (RT 422/299 – RT 426/395 – RT 448/334 – RT 479/358 – RT 547/355) firmou-se no sentido de que:
“É nula a decisão proferida em processo que correu em branco, sem que nenhuma prova fosse produzida em Juízo.”
(RT 520/484 – grifei)
“A prova colhida no inquérito não serve, sabidamente, para dar respaldo a um decreto condenatório, à falta de garantia do contraditório penal.”
(RT 512/355 – grifei)
Nem se diga que o princípio do livre convencimento do magistrado deveria preponderar, sem qualquer limitação, tendo presente, apenas, a realidade do conjunto probatório, e não o lugar em que este se produziu. Como apropriadamente observa FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO (“op. cit.”, p. 56, item nº 14), “sufragar-se tal escólio implicaria postergar-se, de maneira flagrante, o princípio basilar do contraditório...”.
Outro não é o magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Tratado de Direito Processual Penal”, vol. I, 1980, Saraiva), para quem “não há prova (ou como tal não se considera), quando não produzida contraditoriamente” (p. 194 – grifei). Afinal, salienta o saudoso Mestre paulista, “se a Constituição solenemente assegura aos acusados ampla defesa, importa violar essa garantia valer-se o Juiz de provas colhidas em procedimento em que o réu não podia usar do direito de defender-se com os meios e recursos inerentes a esse direito” (p. 104).
O entendimento que venho de referir encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. IV/126-127, item n. 765, 3ª ed., 1955, Borsoi; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado” p. 1.004, item n. 386.3, 11ª ed., 2003, Atlas; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 679, item n. 48, 5ª ed., 2006, RT), valendo referir, no ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a lição de FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (“Código de Processo Penal Comentado”, vol. I/655, item n. VI, 5ª ed., 1999, Saraiva):
“(…) Para que o Juiz possa proferir um decreto condenatório é preciso haja prova da materialidade delitiva e da autoria. Na dúvida, a absolvição se impõe. Evidente que a prova deve ser séria, ao menos sensata. Mais ainda: prova séria é aquela colhida sob o crivo do contraditório. Na hipótese de, na instrução, não ter sido feita nenhuma prova a respeito da autoria, não pode o Juiz louvar-se no apurado na fase inquisitorial presidida pela Autoridade Policial. Não que o inquérito não apresente valor probatório; este, contudo, somente poderá ser levado em conta se, na instrução, surgir alguma prova, quando, então, é lícito ao Juiz considerar tanto as provas do inquérito quanto aquelas por ele colhidas, mesmo porque, não fosse assim, estaria proferindo um decreto condenatório sem permitir ao réu o direito constitucional do contraditório. (…).” (grifei)
Em suma: a análise dos elementos de informação contidos neste processo leva-me a reconhecer a inexistência de prova penal convincente e necessária que permita, de modo seguro, a formulação de um juízo de certeza quanto à autoria do fato delituoso cuja prática foi imputada ao réu pelo Ministério Público.
Sendo assim, e consideradas as razões por mim expostas, julgo improcedente a presente ação penal, para, em consequência, absolver o réu, **, da imputação penal contra ele deduzida (CP, art. 129, § 9º), fazendo-o nos termos do art. 386, inciso VII, do CPP, restando prejudicado, em consequência, o exame do “agravo regimental” interposto pelo Ministério Público Federal a fls. 254/263.
É o meu voto.
*acordão pendente de publicação
**nomes suprimidos pelo Informativo
Lei nº 13.183, de 4.11.2015 - Altera as Leis nºs 8.212, de 24 de julho de 1991, e 8.213, de 24 de julho de 1991, para tratar da associação do segurado especial em cooperativa de crédito rural e, ainda essa última, para atualizar o rol de dependentes, estabelecer regra de não incidência do fator previdenciário, regras de pensão por morte e de empréstimo consignado, a Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, para assegurar pagamento do seguro-defeso para familiar que exerça atividade de apoio à pesca, a Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, para estabelecer regra de inscrição no regime de previdência complementar dos servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, a Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, para dispor sobre o pagamento de empréstimos realizados por participantes e assistidos com entidades fechadas e abertas de previdência complementar e a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990; e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 211, p. 1, em 5.11.2015.
Lei nº 13.184, de 4.11.2015 - Acrescenta § 2o ao art. 44 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para dispor sobre a matrícula do candidato de renda familiar inferior a dez salários mínimos nas instituições públicas de ensino superior. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 211, p. 2, em 5.11.2015.
Lei nº 13.185, de 6.11.2015 - Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 213, p. 1, em 9.11.2015.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 806 do STF - 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2015, 16:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/48384/informativo-806-do-stf-2015. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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